O filósofo Nick Bostrom, professor da Universidade de Oxford e um dos especialistas sobre os efeitos da inteligência artificial nas nossas vidas, alerta que a inteligência das máquinas será a última invenção que a humanidade precisará fazer. No livro Superintelligence: paths, dangers, strategies (Superinteligência: caminhos, perigos e estratégias, em livre tradução), o diretor do Future of Humanity Institute (Centro para o Futuro da Humanidade), apresenta suposições polêmicas sobre os riscos da criação da superinteligência. De um lado, o desenvolvimento dessa máquina pode trazer novas possibilidades à vida humana – acelerar exponencialmente as descobertas científicas – mas, de outro, apresenta riscos existenciais que podem levar a humanidade à extinção. Discutir a questão pode parecer um exercício de ficção, entretanto, estudiosos da temática afirmam que a Human Level Machine Intelligence, a inteligência de máquina no nível humano – tem 10% de chances de surgir em meados de 2020 e 90% de probabilidade de ser apresentada em 2050.
Está claro para todos nós que os avanços tecnológicos são exponenciais. Mas, como pensar nessa tecnologia dentro de um contexto que leve a educação a um novo patamar? Há alguns anos, a inteligência artificial tem sido posicionada como o ápice da tecnologia para a educação. Muitos acreditam que somente a tecnologia, de modo geral, é capaz de abrir espaço para a inovação educacional, sobretudo em um contexto em que crianças e jovens gastam duas vezes mais tempo diante das telas – televisão, computador, smartphonee tablet – do que na escola. Essa forma de pensar ganhou reforço desde 2010, quando a revolução digital passou a ser incorporada à escola. Um pensamento mais criterioso, entretanto, mostra que a educação inovadora nem sempre está atrelada a soluções tecnológicas do momento, como a da inteligência artificial. Inovar na educação requer analisar os contextos específicos e os objetivos mais amplos, antes de depositar toda a esperança de mudança educacional em uma abordagem única.
A Geekie, referência em educação com apoio de inovação no Brasil e no mundo, há sete anos tem usado a inteligência artificial em ferramentas e plataformas criadas pela empresa. Com uma visão pragmática e especializada, temos desenvolvido formas inovadoras de fazer uso da tecnologia e de metodologias para elevar os processos de aprendizagem a um nível coerente com as necessidades de estudantes do século XXI. Não se trata de automatização, mas da possibilidade inovadora de personalizar, canalizar o tempo dos educadores e gestores para o que realmente importa e utilizar os recursos e metodologias capazes de apoiar uma educação coerente com as necessidades dos nossos alunos. Na sala de aula, os ganhos do uso da tecnologia são indiscutíveis: ela ajuda a personalizar o aprendizado, auxilia professores no planejamento de aulas e habilita os alunos com as capacidades digitais. O cerne da questão – e um contraponto que trago – é que as tecnologias trazem benefícios exponenciais quando voltadas aos professores. Um computador nas mãos dos professores, por exemplo, elevou a notas dos alunos brasileiros no PISA em 2,7 pontos.
O que defendo é um olhar mais crítico para o uso da tecnologia na sala de aula; enxergar e refletir para além da novidade. Aliás, inclusive, devemos lembrar que a inteligência artificial não é uma novidade; ela está entre nós desde a década de 1950. O cientista J. McCarthy, da Universidade de Stanford – onde cursei o mestrado em Educação –, usou o termo pela primeira vez em uma conferência, em 1956, na Dartmouth University, nos Estados Unidos. Na ocasião, classificou teorias de complexidade, simulação de linguagem, redes neurais e máquinas de aprendizagem; na prática, sistemas de imaginação humana que usam a ciência da computação.
Uma das chaves da inteligência artificial aplicada à educação é a machine learning – um programa ou sistema que constrói um modelo preditivo a partir da análise de correlações entre os dados disponíveis para aplicar sobre dados não conhecidos. Esse sistema usa o modelo aprendido para traçar previsões úteis a partir de novos dados; o aprendizado de máquina também se refere ao campo de estudos relacionado a esses programas e sistemas. A machine learningé a prática de usar algoritmos para coletar dados, aprender com eles e fazer predição de algo. A partir desses dados e algoritmos, a máquina é “treinada” e adquire habilidade de aprender a executar determinada tarefa. Com a automação de funções analíticas, cada vez mais será exigido dos seres humanos habilidades criativas e sociais – algo que a escola tradicional, muito comum ainda hoje, não está preparada para desenvolver.
A trajetória e visão da Geekie mostra a importância da inclusão do professor em todas as propostas educacionais; com ou sem tecnologia, o envolvimento desse profissional é essencial para potencializar o aprendizado. Na empresa, aliamos a tecnologia de ponta às metodologias pedagógicas inovadoras que potencializam o aprendizado. Ao contrário do pregado pelos críticos, a tecnologia tem se tornado uma importante aliada dos educadores, sobretudo no desafio de gerenciar melhor o tempo dentro e fora da sala de aula. No Brasil, os docentes utilizam 12% da carga horária para administrar tarefas operacionais (corrigir exercícios e provas, preencher listas e tabelas, elaborar e revisar o planejamento, calcular notas); 20% é usado para manter a disciplina na sala de aula; e 67% é dedicado ao ensino e aprendizagem propriamente dita. Essa é a conclusão da pesquisa conduzida pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Com a experiência do atendimento de mais de 12 milhões de alunos e 5 mil escolas públicas e privadas, posso afirmar que o principal aprendizado é que a tecnologia a serviço da educação se torna mais poderosa quando está nas mãos dos professores. Quando auxiliamos o docente a ter informações de forma rápida e eficiente, ele se torna um verdadeiro super-herói que pode melhorar a qualidade da educação no Brasil. O processo de visto, correção e cálculo de notas de atividades alternativas pode levar muito tempo, demandando um tempo precioso que poderia ser investido pelo educador no desenvolvimento de planos de aula e no atendimento um a um com estudantes. A inteligência de dados pode trazer uma experiência mais personalizada e personalizável; aprendizado adaptável no qual os professores passam a ter acesso exatamente quando o aluno está consumindo o conteúdo; o envio de informações sobre como estão lidando com esses conceitos. Esse conhecimento oferece ao professor a oportunidade de fazer ajustes nas aulas de acordo com a necessidade do aluno.Podem, inclusive, oferecer conteúdo adicional para que o aluno possa ter um reforço necessário a ir mais adiante.
Com o apoio da inteligência de dados, o trabalho do professor não se restringe a passar os conceitos, mas sim moldar comportamentos como resiliência e inteligência emocional para lidar com desafios. Além disso, todos nós temos aquela lembrança de um professor que moldou nossas vidas e nos inspirou a escolher uma carreira profissional ou tomar uma decisão de longo prazo nas nossas vidas. A tecnologia pode colaborar para conectar estudantes e tutores por meio de feedbacksconstantes e customizados. A interação do aluno com o docente, face a face, é responsável pelo desenvolvimento das habilidades do século XXI – incluindo habilidades cognitivas como resolução de problemas e desenvolvimento de pensamento crítico, além de características como determinação e perspectiva.
A tecnologia na sala de aula extrapola a visão sobre a capacitação de professores para o uso da ferramenta. Estou falando de como os recursos tecnológicos ajudam a tornar a aula uma experiência mais dinâmica e completa. Algo que é almejado por alunos, professores, pais e toda a comunidade educacional. Para finalizar, quanto aos perigos da criação das máquinas superinteligentes, acredito que devemos investir na criação de um ambiente para que os humanos desenvolvam todo o potencial de aprendizado: ativo e repleto de significado. Como diz Howard Gardner, cientista das inteligências múltiplas e diretor-sênior do Project Zero: “A qualidade do sistema educacional de uma nação será uma das principais determinantes – talvez a principal – de seu êxito durante o próximo século e para além dele.”
*Claudio Sassaki é mestre em Educação pela Stanford University e cofundador da Geekie, empresa referência em educação com apoio de inovação no Brasil e no mundo.
Fonte: ADNews